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O Nordeste pede socorro

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É preciso que haja o abandono de uma posição meramente reivindicativa e clientelista


O quadro que caracteriza a situação social e econômica do semi-árido nordestino já é de miséria mesmo em tempo de normalidade climática. Conforme estudos do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) e do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), os nove Estados da região ocupam as últimas colocações no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O mapa da fome apresenta, para os municípios atingidos pela seca, índices de indigência da ordem de 50%, de onde se conclui que essas populações deveriam ter atendimento permanente.

Em momentos de seca, essa situação é ainda mais agravada. Presenciam-se, mais uma vez, populações famintas, sedentas, sem emprego, sem comida e com sua capacidade de tolerância esgotada, criando-se um clima de revolta propício ao caos social e aos saques em busca de alimentos.

A realidade é que, passado o período seco, o assunto é esquecido. Não se consegue extrair desses momentos difíceis uma estratégia de ação estruturadora e permanente. Pelo contrário, inúmeras propostas são lançadas, muitos recursos são gastos e novamente a questão não é tratada com a seriedade necessária.

O descaso e a desatenção a um problema tão antigo e repetitivo estão gerando uma situação ainda mais grave: a falta de perspectivas, o desencanto e a pobreza cada vez maior estão fazendo com que nossos jovens, sem condições de sobrevivência em sua terra, saiam para as grandes cidades, levando consigo a força de trabalho de que tanto precisamos. Isso provoca o inchaço das metrópoles e a futura desilusão desses jovens, que, quando voltam, trazem vícios que antes não possuíam.

Não queremos, aqui, apenas repetir os problemas socioeconômicos provocados pela seca e pela deterioração das condições humanas e ambientais da região. O quadro é conhecido. Precisamos nos dedicar a apontar e percorrer os caminhos da solução. Com esse objetivo, foi criado o movimento “SOS Seca – O povo exige respeito”, que se iniciou em Pernambuco, com a união entre prefeitos e trabalhadores rurais, e hoje se estende a todo o Nordeste, além da área seca de Minas.

Os prefeitos não poderiam continuar omissos, vendo seu povo se degradar moralmente e, às vezes, até morrer de fome em consequência da absoluta falta de um compromisso sério em criar condições permanentes para a convivência da população com o fenômeno -comprovada no discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso no lançamento do “Avança, Brasil”, quando disse: “Com a seca, só Deus”.

O problema, cíclico e previsível, pode ser resolvido com propostas viáveis, concretas e permanentes como as que estamos apresentando. O município é a célula-base da Federação. É o espaço político-administrativo onde se exercita o cotidiano das pessoas, onde os cidadãos buscam soluções para seus problemas básicos e prioritários. Com relação à seca, porém, as prefeituras não têm recursos e instrumentos para oferecer soluções definitivas.

A mudança tem de começar por uma nova mentalidade, uma mudança de postura:

  • 1) da população e do cidadão, por meio de amplo e profundo programa de educação e capacitação, voltado para o conhecimento de sua realidade local e a convivência com ela;
  • 2) da classe política, por meio de atitudes comprometidas com a situação, incluindo a alocação de recursos necessários para transformar o planejado em realidade;
  • 3) do município, que não pode ser mais um espectador do processo de decisão e de operação, contentando-se com medidas paliativas e eventuais. O município tem de ser o centro, o cenário e o realizador das ações para solucionar esse grave desafio.

Além disso, é preciso que haja o abandono de uma posição meramente reivindicativa e clientelista, em favor da adoção de um compromisso com medidas necessárias à transformação da região, por meio de um projeto comum, articulado e objetivo.

São necessárias, portanto, medidas emergenciais, ao lado de outras estruturadoras e de caráter permanente:

  • a) regularizar os pagamentos atrasados dos flagelados;
  • b) aumentar o valor pago aos alistados;
  • c) ampliar o número atual de alistados, que em 1998 era de cerca de 1,2 milhão e hoje está em cerca de 700 mil;
  • d) regularizar a distribuição de cestas básicas, dando prioridade à sua aquisição dentro dos próprios municípios, o que, além de ser mais barato, estimula o comércio local;
  • e) tornar permanente o fluxo de recursos despendidos emergencialmente, por cinco anos, a fim de implantar infra-estrutura hídrica e produtiva definida pelos municípios atingidos;
  • f) estabelecer programas de crédito especial, agrícola e produtivo, para geração de emprego e de renda;
  • g) estabelecer programas de incentivos fiscais visando à interiorização do desenvolvimento, criando condições para a permanência da população em sua terra natal;
  • h) fortalecer o papel do município como agente principal dos programas de combate e convivência com a seca.

Dessa forma, temos a convicção de que, em cada um dos municípios, essa terrível realidade que vem atormentando a população há tanto tempo pode e deve ser vencida de uma vez por todas, livrando-nos da vergonha de ver nosso povo recebendo esmolas, abandonando suas propriedades e muitas vezes suas famílias, num triste caminhar sem rumo.


Sérgio Barreto de Miranda, 38, engenheiro civil, é prefeito do município de Panelas (PE), presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) e um dos líderes do movimento “SOS Seca”. (para Folha de S.Paulo – Quinta- feira, 09 de Setembro de 1999).


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