Publicado em 22/07/2019 | Atualizado em 21/02/2022
A generalização de qualquer atitude pessoal é um dos pequenos caminhos possíveis para se cometer grandes injustiças. Não é correto dizer que todos os panelenses sofrem de culpa cauterizada, mas se eu tivesse que atribuir essa síndrome (se é que se pode chamar de síndrome) a alguém, eu diria que é muito comum encontrar pessoas da dita “elite” com esse tipo de sintoma. Na verdade a “classe alta” da cidade sofre de muitos males que não é comum encontrar na “turma de baixo”.
Cauterização é um termo médico usado para descrever o ato de queimar parte do corpo humano para remover ou fechar alguma região. Antigamente se esquentava uma lâmina ou objeto metálico e se realizava o procedimento, hoje existem meios mais modernos. As principais formas de cauterização utilizadas atualmente são eletrocautério e a cauterização química.
Culpa é algo um pouco mais complicado de definir porque o termo tem várias aplicações. Culpa pode ser a responsabilidade atribuída à pessoa por um ato que provocou prejuízo, seja um prejuízo moral, material, psicológico, espiritual a si mesma ou a outrem. A culpa da qual quero me referir neste texto se refere exclusivamente ao sentimento. Nesse caso, culpa seria o sofrimento obtido após a reavaliação de um comportamento passado tido como reprovável por si mesmo. É um tipo de frustração causada pela distância entre o que não fomos e o que deveríamos ter sido.
Culpa cauterizada, portanto, é uma expressão que significa que de tanto cometer uma atitude reprovável, aquele sentimento de culpa por esse tipo de ação vai se encaliçando e ficando dormente de modo que mesmo que a atitude seja escrota, abjeta e imoral, não se sofre mais com ela.
Se você chegou até aqui lendo este texto e entendeu o que eu quis dizer, é alguém que aguenta a verdade e não se preocupa em dizê-la em voz alta. Então, vamos lá! Não é novidade e também não é segredo de que maioria do pessoal que se acha importante e tem uma condição financeira elevada (as vezes até demais para sua própria renda) não conseguiu “lucrar” tanto com seus próprios esforços, mas com corrupção, “esqueminha” ou desvio. Não vou citar nomes porque não preciso fazer isso, mas tenho certeza de que, se você mora na cidade a conhece está pensando em alguém em quanto lê este texto. Um passeio rápido pela cidade e você vê casas suntuosas construídas por quem não ganha nem dois salários mínimos. Não estou supondo nada. Não estou revelando nada que não seja do conhecimento do público. A única diferença do passado para o presente é que agora eu estou dizendo isso em voz alta.
Se você conhece alguém que tenha um comportamento até meio populista (abraça, conversa, sorri, fala com todo mundo), mas que moralmente falando é um lixo, porque normalmente esses “negócios reprováveis” dos quais estou me referindo tem algo relacionado com laranjas, desvios e obviamente com o sagrado bem público. Nem todo mundo recebe os abraços, sorrisos e tem as agradáveis conversas, mas todo mundo paga a conta e deixa esse tipo de indivíduo podre de rico. O que esse indivíduo sente? Eu não sei, mas arriscaria começar pelo que ele não sente. Ele não sente culpa. Ninguém que se sinta culpado por assaltar os cofres públicos ou por apoiar quem assalta vai andar por aí com queixo levantado, orgulhoso de ser quem é e fazer o que faz. Patrocinando festas. Basta ir até a igreja, frequentar as “atividades pastorais”, fechar os olhos na ora da reza, levantar quando o padre manda, sentar quando ele pede, erguer as mãos, agradecer a Deus e tudo está encaminhado para o paraíso.
Tudo está exatamente como tinha que ser. O povo continua aplaudindo e até indicando essas pessoas para eleição, reeleição etc. Meu comportamento é na verdade o mais reprovável de todos. Construí minha carreira com muito sacrifício. Lutei como um desgraçado. Fome, sono, miséria e a dolorosa dúvida de quem só tinha dinheiro para comprar ou pão ou um livro. Minha atitude é reprovável porque eu deveria ter escolhido o pão, mas escolhi o livro que me ensinou que a verdade é mais importante e deve ser dita em voz alta, que a moral é algo íntimo, que devo sempre buscar ser correto e quando errar devo aprender, sentir culpa quando for culpado, ter vergonha e aprender com o erro para não mais errar. Aprendi também que cauterizar a culpa é escolher o errado, se sentir bem com o ilícito e fechar os olhos para o que nos destrói como seres humano.
Coluna Política // Por Pierre Logan éAdvogado, Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas. Formado em Filosofia , licenciado, pela Universidade Cruzeiro do Sul, Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito. Filósofo. Membro do Seminário de Filosofia – Olavo de Carvalho e da Jovem Advocacia de São Paulo. Atualmente faz parte do Sindicato dos Compositores e intérpretes do Estado de São Paulo, também é comentarista político na Trianon AM 740 e colunista do Jornal SP em notícias.
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