Publicado em 30/05/2016 | Atualizado em 21/02/2022
Depois do meu último artigo sobre o “sergiocentrismo” algumas pessoas me procuraram e questionaram sobre um trecho que dizia: “a servidão é tão voluntária que faria La Boétie reescrever seu mais célebre texto”. Achei interessante a curiosidade. Para essas pessoas de espírito elevado não bastava entender a referência, queriam saber mais sobre a aplicação daquilo que, por falha minha, não foi desenvolvido como deveria. Reconheço meu desacerto e, como forma de correção do meu equívoco, dedico este texto apenas ao tema mal desenvolvido anteriormente. E agradeço imensamente pela importância que deram.
“É mais fácil ceder do que enfrentar? É mais fácil se ajoelhar ou manter-se de pé?”
Étienne La Boétie foi um filósofo francês. Traduziu algumas obras de Xenofontes e Plutarco. Escreveu sonetos e morreu muito jovem, aos 33 anos. Sem dúvida sua obra mais conhecida é o Discurso da Servidão voluntária, um texto curto e profundo. Não pretendo fazer uma descrição da obra do filósofo, mas sim, uma análise que caminhará paralelamente com a pobre situação que nossa cidade vive hoje. É mais fácil ceder do que enfrentar? É mais fácil se ajoelhar ou manter-se de pé?
Sempre que alguém defende algum político por mais “honesto” que possa parecer (o político ou quem o defende) me questiono sobre a atividade que tal pessoa exerce para se sustentar e sustentar sua família. Se a resposta for, de forma direta ou indireta, o político que o defende; deixo o debate porque não se trata mais de ideias ou ideias, mas de “questão de sobrevivência”.
Para começar todo poder que alguém que manda tem sobre quem é mandado é pura ilusão. O único poder que um tirano tem é a aceitação da tirania pelo povo. “O tirano só consegue fazer o mal enquanto o povo prefere aguentar o mal a contrariar o tirano”.
No primeiro momento leva-se na amizade. O político chega na cidade, age com humildade, faz boas ações etc. Assim os habitantes da cidade encontram uma personagem notável que dá provas de que será ótimo para governar, cuidar e guiar o município para o desenvolvimento, então, passam a obedecer em tudo e conceder-lhe certas prerrogativas. É difícil em tais casos julgar que poderá vir mal de quem sempre nos fez o bem. Então elegemos e reelegemos o indivíduo até que um dia passamos a confundir a função do político (servir) e a do povo (ser servido). Como se chama esse fenômeno?
“Que nome se deve dar a esta desgraça? Que vício, que triste vício é este: um número infinito de pessoas não a obedecer, mas a servir, não governadas, mas tiranizadas, sem bens, sem pais, sem vida a que possam chamar sua?” O que assusta mais o pensador é que não é um exército ou uma horda de bárbaros que promovem tal dominação, mas um só. E não é um Sansão ou Hércules, mas, talvez, o mais covarde e mulherengo de toda nação.
Para o pensador, a servidão não chega nem a ser covardia, já que “todo vício tem um limite além do qual não podem passar”. Para ele dois podem ter medo de um, ou até mesmo dez, mas se uma cidade de 30 mil habitantes não reage, não pode ser por covardia. É servidão, e esta é ainda mais vil que a covardia.
Não pensem que para lutar contra a servidão precisa gritar, espernear ou tomar algo do tirano. Não é preciso tomar nada dele, basta apenas parar de dar as coisas a ele. Não chega nem a ser preciso que a cidade faça coisa alguma em favor de si própria, basta que não faça nada contra si própria.
“Se alimentarmos a liberdade não admitiremos jamais que tirem-na de nós. Se alimentarmos a servidão chegaremos a temer a liberdade e a responsabilidade de sermos livres”
Como chegamos ao ponto desprezível que estamos? Ora, a primeira razão para a servidão, de acordo com o autor é o hábito. Ele diz que a servidão é uma prisão dentro de cada um. Temos ínsita a natureza humana o desejo de liberdade e a segurança ilusória que muitas vezes a “escravidão” trás. Se alimentarmos a liberdade não admitiremos jamais que tirem-na de nós. Se alimentarmos a servidão chegaremos a temer a liberdade e a responsabilidade de sermos livres.
Quando algum político nos dá algo, na verdade estamos recuperando o que ele havia tirado de nós. Um exemplo hipotético é: pagar o salário de servidores em dia com um possível dinheiro de um gigantesco rombo na previdência. Com vagar nos acostumamos com a enganação e passamos a “santificar os tiranos” dando o que querem, obedecendo cegamente e defendendo com unhas e dentes coisas absurdas e indefensáveis. Acreditam os idiotas que são amigos dos tiranos.
Não é possível ser amigo de tirano algum. Só existe amizade onde há igualdade. Amigos não podem ter grau de hierarquia. Não há superioridade na amizade, mas sim equidade. Sempre. Há, se pararmos para pensar, uma grande tensão entre os tiranos e os seus servos. E como o próprio nome diz, quando deixam de “servir” deixam de ser “servos”.
Toquei em naqueles pontos que considero mais importante no texto do filósofo, no entanto é de bom alvitre que leiam o texto. De minha parte tenho ideias próprias sobre a questão, mas deixarei para outra oportunidade. Apenas adianto que prefiro morrer (ou matar) que perder a liberdade de pensar, falar, questionar e fazer o que melhor me aprouver. Se um dia me ajoelhar será para um ser, e Ele não é deste mundo!
Formando em direito na FMU, formação em
Filosofia Geral, Fundamentos do Direito Público,
Ciência Política e Teoria Geral do Estado.
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