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DOAÇÃO DE SAPATOS EM PANELAS

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Publicado em 17/07/2017 | Atualizado em 21/02/2022

Você já teve aquela impressão que não está vivendo do jeito que deveria? Já teve aquele desassossego que sufoca você pela impressão que te abordou para dizer que você vive como, quando e do jeito que o ‘sistema’ vigente panelense te impõe? Você já parou para pensar quem são os verdadeiros responsáveis pelo latente, disfarçado e não assumido sentimento de inferioridade presente no comportamento da maioria dos nossos conterrâneos? Pois é, caros leitores, talvez você esteja usando um sapato apertado demais para você. Chegou a hora de fazer uma reflexão simples e gostosa sobre um tema chato, maçante, todavia, absolutamente indispensável. Para nos ajudar com essa reflexão, invoco do além meu querido amigo Raul Seixas.


Raul Santos Seixas (1945-1989) é um Nordestino dos bons, nasceu em Salvador, Bahia e nos presenteou com canções belíssimas e malucamente deliciosas. Gravou muitos discos, mas hoje vamos nos concentrar na música “Sapato 36”, lançada em 1977 no álbum ”No dia em que a terra parou”. Segue a letra e o link da música:




SAPATO 36 – RAUL SEIXAS
Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez
+
Pai eu já tô crescidinho
Pague pra ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto
+
Por que cargas d’águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai
+
Pai já tô indo-me embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar

**********
Ouça a música Sapato 36 – Raul Seixas


Saudades das músicas que mexiam com o cérebro e não apenas com a bunda, mas vamos lá…. Obviamente nosso Maluco Beleza não odiava o pai. É possível que o interesse do Raul por filosofia, literatura etc., tenha sido influência paterna. Raul Seixas também não estava reclamando literalmente do sapato. Ele viveu durante o regime militar e teve várias músicas censuradas, dessa forma; ele desenvolveu um jeito de dizer o que queria de maneira fantasticamente genial.

Não preciso dizer que Raul Seixas não estava falando de Panelas, mas do País inteiro. Aqui vamos fazer uma análise tendo como plano de fundo a realidade panelense apenas. Portanto, quem quiser se ofender já pode começar a espernear (mas nem adianta).
“Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez”

Aqui, existe claramente algo errado com a forma padronizada de imitar toda mediocridade dominante. Aquela felicidade falseada adorna o pé e o sorriso forçado de quem tenta esconder a dor, mas somente quem calça o sapato de realidade mimética dos autômatos e não se encaixa nela sabe o que está sentindo. O “pai” da música é o sistema, as opiniões, o “viver para os outros”, o governo, a “moda” (seja roupas, ondinhas ou músicas) e tudo o que suprime nossa própria vontade e nosso desejo de viver da maneira que nós mesmos escolhemos viver. Sentimos o incomodo da dor e o dolorido aperto (no coração) de ter que saber que amanhã não teremos uma realidade diferente. A mentira será a mesma e para entortar nossa maneira de caminhar pela vida, no dia seguinte, calçamos as escolhas que não queremos e apertamos nossos pés outra vez.

Pai eu já tô crescidinho
Pague pra ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto

Nesta parte, a “criança” cresceu e, cansada do conformismo avisa aos desgovernantes de sua história que não vai passar por esta vida curta vivendo do jeito dos outros. Ele sabe que neste mundo nós somente somos obrigados a duas coisas: 1) Morrer (todo mundo morre) e 2) Fazer escolhas (até para não escolher é preciso escolher não escolher). Então, sabendo disso, o garotinho toma uma atitude corajosa.

Por que cargas d’águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai

Nessa parte, há um questionamento inteligentíssimo. Acredito que Raul tenha colocado o “acha que tem o direito” para deixar claro o quão subjetivo é o sentimento de autoridade que os outros tem. O compositor deixa claro que seja lá quem exerça algum poder sobre nós, ele não tem o direito, apenas “acha” que tem o direito porque ninguém é melhor do que ninguém. Nosso sistema é construído para buscar o equilíbrio social, tentar achar a maneira de convivência mais benéfica para todos e não para nos impor a vontade de quem governa indiscriminadamente. A realidade, está claro na música, é que os dirigentes do sistema panelense só terão o respeito que exigem dos outros quando aprenderem que a vontade do povo tem que ser respeitada. Nem a prefeitura, nem funcionários, nem ninguém tem o direito de afogar o que as pessoas sentem e precisam pôr para fora.


Pai já tô indo embora
Quero partir sem brigar
Pois eu já escolhi meu sapato
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar
Que não vai mais me apertar

A criança cresceu e nem quer discutir mais com ninguém. Quando você cresce e solidifica sua personalidade, você simplesmente não sente necessidade de discutir ou se explicar. Não vai interessar para quem saiu da mediocridade, ficar brigando e andando entorno de um assunto que já sabe como vai acabar. Não tem negociação, não tem conversa, não tem barganha e nada que explicar. A vida é sua, você faz suas escolhas, enfrenta as consequências e segue em frente. Parte sem brigar, escolhe o que te faz bem e o que não vai mais apertar seu coração.


O motivo para Raul ter escolhido o ‘pai’ para colocar na canção e representar o governo ou o sistema, talvez seja pelo fato da imagem paterna ser tudo aquilo que aprendemos a respeitar e temos desde cedo como uma certa autoridade na família. Mesmo nossos pais quando nos criam, eles nos criam para o mundo e não para ficar dependentes e submissos a eles. Temos que escolher nosso sapato e seguir em frente.

O motivo dele ter escolhido um “sapato” em vez de uma camisa, luva, boné etc., acredito que tenha sido pelo fato de o sapato ter simbolicamente algo a ver com caminhada. Ter algo que nos incomoda no pé atrapalha muito e pode mudar nosso jeito de caminhar. Pode mudar tudo desde escolher caminhos mais fáceis até optar pelas paradas estratégicas.
Esta reflexão sucinta serviu apenas para continuarmos com nossas ‘viagens’ semanais. Não deixe que te obriguem a usar sapatos que não te servem e nem máscaras, porque muitas vezes obrigam-nos a usar máscaras e quando usamos demais, esquecemos quem somos por trás.


Coluna Política // Por Pierre Logan

Formando em Direito, Licenciando em filosofia, possui formação em Direito Eleitoral, Administrativo, Fundamentos do Direito Público, Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Compositor, gravou no final de 2015 o disco Crônicas de Um Mundo Moderno. Atualmente atua na área jurídica e também é colunista do Jornal SP em notícias. OAB-SP 218968E.


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